quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Análise jurídica da Unificação das carreiras da AGU

 Sem ter a pretensão de esgotar o tema, mas a fim de contribuir com esclarecimentos que alguns colegas podem achar necessário, segue a exposição abaixo, feita com a ajuda de outro colega:

A) TEXTO CONSTITUCIONAL

 Artigo 131 do CF prevê:
- um grande órgão: AGU
- uma Procuradoria específica, portanto, outro órgão: PGFN
- a necessidade uma Lei Complementar para tratar de ORGANIZAÇÃO e FUNCIONAMENTO

Primeira conclusão: 
não existe previsão de nenhumas das carreiras na Constituição, apenas de órgãos. Portanto, a unificação de carreiras, mantidos os órgãos como são hoje, não exige Emenda Constitucional, pelo menos em princípio.

Seguindo, será que necessita Lei Complementar? Para responder a essa pergunta, devemos saber se "organização e funcionamento" inclui:
-criação,
-transformação,
-transposição,
-extinção de cargos.

A interpretação para isso consta da decisão do STF proferida na ADI 2713, que tratou da transposição dos membros da carreira de Assistente Jurídico para a de Advogado da União.

B) ADI 2713 

A unificação de cargos não viola o art. 131 da CF porque é necessária "uma maior liberdade de atuação legislativa no que diz respeito ao planejamento e à racionalização do quadro de pessoal da Instituição, (...) diante do dinamismo da realidade".
Também não viola o princípio do concurso público, desde que preencha 4 requisitos (são citados como razões de decidir outros dois precedentes do STF:ADI 449, Rel. Min. Carlos Velloso, e ADI 1.591, Rel. Min. Octavio Gallott):
1-compatibilidade funcional - verificada a partir da existência de intercâmbio entre os membros das carreiras, o que sabemos é muito comum tanto nos órgãos consultivos, onde encontramos membros de todos as quatro carreiras exercendo as mesmas funções lado a lado; como nas Procuradorias, inclusive temos como exemplo o próprio AGU, que trabalhou por um bom tempo na PRU da 4ª Região. Além disso, temos o exemplo da instalação das primeiras 150 PSU do Brasil, todas ocupadas inicialmente por Procuradores da Fazenda Nacional. 2-compatibilidade remuneratória - devem ter a mesma remuneração, como ocorre hoje entre as quatro carreiras 3-equivalência dos requisitos para prestar o concurso - não se trata de matérias que caem nas provas, mas de requisitos para prestar o concurso, isto é, mesma escolaridade, mesma formação, etc. As quatro carreiras da AGU possuem o mesmo sistema de provas e títulos.
4-completa identidade substancial entre os cargos

Aqui é a maior resistência de quem é contrário à unificação, especialmente por causa da atuação dos Procuradores Federais, que seria direcionada "apenas à defesa de autarquia e fundações". 

4.1)
Contudo, o STF neste leading case fez a análise da "identidade substancial" a partir das funções previstas para cada uma das carreiras na Lei. No caso dos PFs, tem-se a MP2229/2001, que criou a carreira de Procurador Federal, dispondo em seu art.37:

São atribuições dos Procuradores Federais:
I - a representação judicial e extrajudicial da União, quanto às suas atividades descentralizadas a cargo de autarquias e fundações públicas, bem como a representação judicial e extrajudicial dessas entidades;
II - as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos à União, em suas referidas atividades descentralizadas, assim como às autarquias e às fundações federais;

[Similaridade entre Advogados da União e Procuradores Federais)
III - a apuração da liquidez e certeza dos créditos,(...) inscrevendo-os em dívida ativa (...);
[Similaridade entre Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais]

4.2)
 Nesse ponto, mais uma vez poderiam alguns contrários à unificação dizer que, embora a MP fale que os Procuradores Federais têm a função de "defender a União", isso seria apenas jogo de palavras, pois as autarquias e as fundações não poderiam se confundir com a União órgão central, o que incluiria representantes jurídicas dessas entidades. Em resposta a isso, teríamos de fugir da forma de decidir fixada pelo STF. Mas podemos sim ir adiante, a bem do debate. Digamos que o STF reveja a posição desse precedente dos Assistentes Jurídicos e decida não apenas analisar a lei que estabelece as funções de cada cargo, mas tente analisar o que realmente cada carreira faz. 

Primeiro:
essa autonomia não está prevista na Constituição, mas nas leis, e os conceitos utilizados vêm na maior parte da Doutrina.

Segundo:
a autonomia que é garantida às autarquias e às fundações (deixando de lado o próprio equívoco do termo "autonomia" para o caso) é exclusivamente para AUTO-ADMINISTRAÇÃO DE SUAS ATIVIDADES, a AUTONOMIA GERENCIAL.


 
Consultando os maiores administrativistas do Brasil, tais como Hely Lopes Meirelles, Maria Di Pietro e outros, como não poderia ser diferente, em nenhum momento se encontra qualquer afirmação no sentido de que a prestação do serviço jurídico faria parte da autonomia de administração, a autonomia gerencial. Portanto, a não ser que queira se inventar o Direito, a prestação do serviço jurídico não faz parte da autonomia gerencial garantida às autarquias e fundações.

E por que "não poderia ser diferente"? Porque a prestação do serviço jurídico é especial em relação a qualquer outra atividade do seu empregador, seja esse empregador a União ente central, seja esse empregador uma autarquia ou fundação, seja esse empregador uma pessoa jurídica privada qualquer. Com efeito, todo advogado, privado ou público, possui INDEPENDÊNCIA TÉCNICA para o exercício de suas atividades. Isso é garantido expressamente em favor dos advogados empregados  (art.18 da LOAB- Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia), para acabar com qualquer dúvidas que poderiam existir quanto a esse ponto.

Ou seja, sabendo que o advogado presta o serviço de defesa jurídica de interesses em juízo e de consultoria e assessoramento, jamais um advogado como é o Procurador Federal poderia ser considerado como submetido à gerência autônoma de um chefe de autarquia, por exemplo, pois a autarquia nada mais é do que um cliente do Procurador Federal (e são muitos, mais de 100 autarquias e fundações), que vai até ele em busca de serviço jurídico para auxiliar em sua atividade-fim, mas isso em nenhum momento retira desse Procurador Federal a total independência técnica, e não o submete de forma alguma à gerência das autarquias, como se fosse um técnico qualquer. Repito: os advogados e procuradores não são qualquer empregado, são diferenciados e possuem independência técnica, não submetendo de forma alguma o seu trabalho à gerência, seja da autarquia, seja da União ente central.

Apesar de já ser suficiente, é possível avançar ainda mais no argumento: essa autonomia técnica é ainda mais gritante na Administração Pública. Tanto União ente central, quanto autarquia, quanto universidades, obedecem a LEGALIDADE ESTRITA; ou seja, as autarquias não podem fazer nada que não esteja previsto na legislação; e os Procuradores Federais não podem interpretar em favor do seu cliente nada do que esteja fora da legislação. 
Desse modo, onde poderia haver espaço para um administrador de autarquia, universidade ou qualquer outro utilizar-se de sua autonomia gerencial e solicitar que um Procurador Federal prestasse o serviço jurídico desse ou daquele modo? Esse espaço não existe.

Na prática, no dia-a-dia, basta lembrar que, quando fazemos uma peça, seja um parecer, seja uma contestação, não pensamos "como o governo quer isso e aquilo, vou escrever tal coisa". Com efeito, analisamos as leis que se aplicam ao caso e tentamos interpretá-las da forma mais favorável ao nosso cliente, não interessa quem ele seja. Essa é a função de um advogado e é o que fazemos diariamente, sob pena de responsabilização civil, criminal e administrativa. No caso dos advogados públicos, isso é a independência técnica trabalhando dentro dos limites da legalidade estrita. 
Desse modo, tendo em vista então que os serviços jurídicos definitivamente não compõem a estrutura essencial de uma autarquia ou fundação, nem mesmo da estrutura da Administração da União como ente central, pois eles são prestados por advogados, atualmente em 4 carreiras, que possuem autonomia técnica por força da Lei da OAB e da própria natureza da atividade histórica da advocacia, então conclui-se facilmente que a essência, a substância de todas as 4 carreiras é a mesma: defesa de interesses públicos federais em Juízo e consultoria e assessoramento de entes federais extrajudicialmente. Desse modo, há identidade substancial entre os cargos, permitindo a unificação também por esse critério.
4.3)
Portanto, em conclusão, com base no precedente acima, seria possível a unificação das carreiras da AGU por MP-LO, desde que mantidas as estruturas organizacionais, que dependem de LC e/ou EC.
 

C) ADI 484

Estavam sendo impugnadas duas leis estaduais do Estado do Paraná que organizavam, numa carreira de Advogado Especial do Estado do Paraná, aqueles advogados, assistentes jurídicos etc. que, na época da promulgação da Constituição do Estado do Paraná, prestavam assessoramento jurídico aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e representavam as autarquias e fundações públicas.

A ADI foi julgada improcedente, tendo em vista que as leis apenas criavam a referida carreira para acomodar esses que exerciam, na época da promulgação da CE, aquelas atividades já referidas. Entendeu-se que essa carreira de Advogado Especial não poderia receber novos membros por concurso público, pois isso significaria usurpar definitivamente competências dos Procuradores do Estado do Paraná. 
Não parece ter peso contra a unificação. Pelo contrário, a criação dessa carreira de advogado especial veio somente para acomodar uma situação transitória, que deixaria de existir tão logo os ocupantes desses cargos viessem a se aposentar. A partir de então, as atribuições seriam dos Procuradores do Estado, carreira única, inclusive as de consultoria e assessoramento jurídicos às autarquias e fundações e a respectiva representação judicial dessas entidades.


D) ADI 3415

Nesse caso, a notícia no site do Supremo fala por si mesma. Era um caso de unificação de cargo de comissário de polícia com o de delegado. Pura falácia de quem quer comparar coisas absolutamente diferentes:

Quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Unificação das carreiras de delegado e comissário de polícia no AM é inconstitucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais normas do Estado do Amazonas que unificaram as carreiras de delegado de polícia e comissário. Segundo o entendimento adotado pela Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3415, a medida representou burla à exigência do concurso público.

“Muito diversamente do que houve nos precedentes em que este Supremo Tribunal Federal admitiu a unificação de carreiras, quando se apurou que a distinção entre os cargos fusionados era meramente nominal, há aqui substanciais diferenças entre um e outro”, afirmou o relator da ADI, ministro Teori Zavascki. Criado por meio de lei editada em 2001, o cargo de comissário, além de ter remuneração muito inferior à do cargo de delegado de polícia, apresentava natureza isolada, organizando-se em classe única.

O cargo surgiu com exigências semelhantes ao de delegado, como formação superior em Direito, inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e curso na academia de polícia. Entre as atribuições do cargo, havia a previsão, de forma excepcional, do exercício de funções de delegado de Polícia no interior ou de delegado plantonista. Contudo, as Leis estaduais 2.875/2004 e 2.917/2004 instituíram um grupo ocupacional denominado de autoridade policial, composto por titulares dos cargos de delegado e de comissário, conferindo-lhes atribuições idênticas e equiparando a remuneração de comissário à de delegado da 5ª Classe.

Segundo o argumento adotado pelo relator, as diferenças entre os cargos não são irrisórias, existindo subordinação hierárquica e não cabendo ao comissário a chefia da delegacia de polícia, a não ser em caráter temporário. Há uma diferença de responsabilidades e de perspectiva de promoções. Aqueles que prestaram o primeiro concurso para o cargo em 2001, diz o relator, tinham ciência das limitações da função.

“Não tem credibilidade a afirmação de que as leis impugnadas operaram mera racionalização administrativa dos quadros da polícia do Estado do Amazonas. A forma como foi conduzido o rearranjo administrativo revela que houve de fato burla ao postulado do concurso público”, concluiu.

O voto do ministro Teori Zavascki, pela inconstitucionalidade de dispositivos das Leis estaduais 2.875/2004 e 2.917/2004, nos termos do pedido feito pela Procuradoria Geral da República (autora da ADI), foi acompanhado por unanimidade.



E) ADI 3857

Impugnava lei do Estado do Ceará que realizava a transposição de cargos de auditor adjunto e de técnico da fazenda estadual para um novo cargo de Auditor Adjunto.

O problema, aqui, foi que os cargos anteriores possuíam atribuições distintas da do novo, remuneração distinta (inclusive entre os dois antigos), além de possuir requisito de escolaridade diferente (nas antigas, nível médio; na nova, nível superior).

Assim, o STF considerou que se tratava de burla ao princípio do concurso público, já que o novo cargo tinha atribuições distintas, requisito de ingresso distinto etc.

Ou seja, totalmente diferente da unificação que se pretende fazer entre as carreiras da Advocacia Pública Federal.


F) ADI 5299

Foi ajuizada em maio deste ano contra lei do Estado do Ceará. Aparentemente, situação semelhante à ocorrida na ADI 3857.

Segue notícia do site do STF:

ADI questiona norma que reestruturou carreira de fiscais tributários no Ceará

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5299, com pedido de medida liminar, contra dispositivos da Lei 14.350/2009, do Estado do Ceará, que reestruturaram o Plano de Cargos e Carreiras do Grupo Ocupacional Tributação, Arrecadação e Fiscalização (TAF) da Secretaria da Fazenda do estado.

De acordo com os autos, o artigo 1º da norma modificou dispositivos da Lei 13.778/2006, unificando e renomeando as carreiras de auditor fiscal e gestão tributária, gestão contábil financeira, jurídica e de tecnologia da informação para a carreira única de auditoria e gestão fazendária. Além disso, o artigo 10 da mesma norma assegurou a todos os servidores do Grupo TAF, em caráter excepcional e sob o interesse da administração pública, competência para o lançamento do crédito tributário de mercadoria em trânsito em situação irregular.

O procurador-geral alega que os artigos questionados violam o caput e o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal (CF), que tratam da exigência de aprovação prévia em concurso público para investidura em cargo ou emprego público. Segundo Janot, o provimento derivado de cargos é inconstitucional, uma vez que burla o instituto do concurso público e os princípios da impessoalidade e da moralidade.

Janot esclarece que o STF, no julgamento da ADI 3857, já declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 13.778/2006 por instituírem cargos públicos sob o rótulo de reestruturação de carreira. Os dispositivos inconstitucionais transformaram antigos cargos de nível médio em cargos de nível superior, modificando remuneração e atribuições.

Segundo a ADI, o artigo 2º da Lei 13.778/2006, com redação dada pela Lei 14.350/2009, promoveu nova transformação de carreiras. “Enquadrou servidores de cargos, escolaridades e carreiras diversas em uma única carreira, colocando analistas e técnicos, que são da área meio, na mesma carreira de auditor fiscal da Receita Estadual, que é área fim da Secretaria da Fazenda”, explica. Segundo o procurador-geral, a mudança “mascarou” a criação de dois novos cargos.

Para o procurador-geral, a situação é extremamente grave, especialmente porque todos os integrantes do Grupo TAF passaram a ter prerrogativa de constituição do crédito tributário. O lançamento de crédito tributário, de acordo com Rodrigo Janot, requer conhecimentos específicos sobre todos os requisitos solicitados pela legislação tributária para sua constituição, informações detalhadas sobre infração praticada, enquadramento do produto, aplicação do auto de infração e seus requisitos básicos, e responsabilidade sobre o procedimento realizado. “Assim, o simples fato de ter o conhecimento da situação irregular não torna um servidor capaz de realizar todos os procedimentos necessários para a averiguação do ocorrido”, disse.

Por fim, afirma que o próprio STF consolidou jurisprudência quanto ao tema na Súmula 685, pela qual “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. Dessa forma, requer a concessão da cautelar para suspender a eficácia dos dispositivos legais especificados. No mérito, pede a declaração de sua inconstitucionalidade.

O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.


ADI 1304

Considerando os questionamentos de alguns colegas sobre a impossibilidade de alteração do texto de um eventual Projeto de Lei ou de Medida Provisório enviado pela Administração ao Congresso, por ser matéria de iniciativa do Poder Executivo, é importante ter ciência de que o STF tem como pacífico que é possível, sim, alterações no texto, desde que não haja AUMENTO DE DESPESA. Não há qualquer outra exigência, podendo, por exemplo, haver alterações no texto para incluir a garantia de direitos dos atuais membros, por exemplo.

Nesse sentido, segue um dos julgados encontrados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PARLAMENTAR. AUMENTO DE DESPESA. IMPOSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO MODELO FEDERAL. As matérias reservadas à iniciativa do Poder Executivo somente podem ser objeto de emenda na hipótese de não representarem aumento de despesas. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 1304, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2004, DJ 16-04-2004)


*por Ricardo Wey Rodrigues, Advogado da União

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